Ilustração: Carlos Ferreira
Fechar dos Olhos (Parte 1)
A noite já tinha caído, mas na casa não se escutava ruído nenhum. Somente a poltrona se balançava como se alguém recém se levantara. Há alguns anos, aquela casa estava cheia de gente. Jovens com muitas histórias e vontade de viver. A família costumava ser grande, mas pouco a pouco, seus integrantes se foram. Da família, só restou Janete. O marido morreu em um acidente de carro, enquanto voltava de uma viagem. Os filhos cresceram e casaram-se. Já os netos, muitos foram morar em países distantes e bem longe daquela casa. Por muitos anos ela se dedicou àquela família e nunca recebeu nada em troca, nem sequer um telefonema para saber se ela ainda vivia. Ninguém mais se interessava por ela. A não ser os gatos. Esses sim eram quase dez.
Ela já não sabia mais quando era segunda, quarta ou sábado. Os dias se pareciam e tudo era igual. Nem seu programa favorito de televisão ela assistia mais. A vida deixou-a muito amarga para as ingenuidades desse tipo de programas.
Não entendeu se fora um sonho ou se começara a enlouquecer. Mas em uma noite fria pensou na sua vida e nas coisas que nunca tivera tempo de fazer. Estava tomada por sentimentos que logo explodiriam. Semanas antes, lembrara de um dos seus filhos, dos três que a vida lhe deu, que fora acometido por uma febre amarela e a deixou mais cedo do que ela gostaria. Pensou também em seu olho direito, que o câncer a fizera perder. Viver sozinha e apenas com um dos olhos já não era tão ruim para ela, porque há muito tempo ela não via mais nada. Não via sequer uma razão para seguir adiante.
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