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terça-feira, 9 de agosto de 2016

Um analgésico e uma boa noite de sono


Texto: Kemi Oshiro
Gênero: conto

UM ANALGÉSICO E UMA BOA NOITE DE SONO

Era madrugada. Ele acordou de súbito, suado e com a boca seca. Mal engolia a saliva porque sua garganta doía. Se lembrou do avô, da falta que ele fazia e de como o futebol perdera a graça depois que ele morreu. Passou a mentalmente escrever poesias que falavam sobre driblar a saudade e a vontade de assistir a pelo menos mais um jogo na companhia do velho. Foi então que teve a certeza: os delírios da febre haviam chegado.
Já tinha se passado mais de 10 anos da morte do avô, mas ele lembrava dela como se tivesse saído há pouco do cemitério. De uma vida inteira, o que ele guardou na memória foi a imagem do caixão aberto, seu avô deitado e com as mãos unidas pousadas sobre o umbido. Sobre o caixão e o velho um tecido branco e fino. Deveria ser voal, esses que evitam que moscas e insetos rondem o corpo. As idas ao estádio, os almoços nos domingos, as histórias engraçadas (ou não) sobre sua imigração no Brasil, nada disso fora mais forte do que a imagem do homem pálido e de mão unidas sobre o umbigo. 
Ao lado do caixão, sua avó. Pensou que fosse encontrá-la aos prantos, frágil, mal podendo equilibrar-se. Mas não. Estava ereta, com semblante sério como se quisesse parecer forte para segurar a barra que a situação apresentava. Não havia chorado a perda ainda. Abraçou a avó. Por que? Por que ele morreu? A gente tinha tanta coisa ainda... eu nem acredito. Forte, tu tem que ser forte, ela disse, sem se compadecer das lágrimas do neto. Ainda naquela tarde, num canto da sala fria e com paredes cobertas por um azulejo azul claro, observou a avó. Ela não saíra do lado do corpo. Não abandonara o marido, como estava acostumada nos últimos 50 anos de casamento. Teve orgulho dela e da força que ela tirou ele não sabia de onde, para estar ali, pronta para encarar o início de uma vida sozinha. Ou, na melhor das possibilidades, uma vida de lembranças.
Durante o velório ele não olhou diretamente para o caixão. A imagem que guardara do corpo do avô no meio da sala para o contentamento dos olhos curiosos que foram se despedir fora de quando chegou à capela. De toda essa construção, ele se lembra com mais nitidez, na verdade, apenas das mãos unidas e dos dedos entrelaçados do seu avô. A cor da camisa, se haviam flores ao redor dele, qual sua expressão, nada disso ele viu. Preferia obrigar-se ao exercício de lembrá-lo na arquibancada do estádio xingando o juíz quando marcava um lance que desfavorecesse seu time. Ele não voltou ao estádio. Sua vida tomou outro rumo e os jogos ao vivo perderam a graça sem o seu parceiro de comemorações de gol e conquistas de campeonato. Se contentou em escutá-los no rádio e também sem muito entusiasmo ou torcida. Passou a acompanhar Rugby, um esporte com partidas que dificilmente o fariam sair da frente da tevê.
Ele se perguntara se durante os dez anos de solidão sua avó pensou no marido. Será que ela lembrava dele deitado com as mãos sobre o umbigo? Será que um dia, ainda na juventude deles, ele fez alguma coisa que a deixara braba? Ou será que ela guardava na memória alguma noite de paixão? Ele não pensara no avô todos os dias que sucederam sua partida, mas das vezes que pensou chorou. Quis que o avô estivesse ali para ver suas filhas nascerem. Imaginou como ele reagiria à notícia de que se tornaria bisavô. Provavelmente gostaria delas muito mais do que gostara dos netos. Dizem que a paixão multiplica a cada nova geração.
A garganta ainda dói. Dói mais ainda porque está seca. Poesia tem que rimar o fim das frases, se não, ninguém vai achar bonito. Que palavra rima com saudade? Como rimar que sinto até hoje a sua falta? Será que não ficaria melhor se apenas eu começasse com um 'muito obrigado por fazer parte da minha vida'?
Acordou sem saber quanto tempo tinha dormido. Lembrou que sonhou com seu avô (ou teria sido um delírio?) e ele estava morto. Achou melhor não ir ao estágio e ficou na cama. Agora já era corpo todo que doía. Se não melhorasse durante o dia teria que perder a aula de cálculo à noite. O curso de Engenharia estava quase na metade, mas a paciência dele já tinha chegado ao fim. Queria se formar de uma vez. Até que faltar a aula hoje não seria de todo o ruim. Tomou um analgésico e pediu pra mãe que marcasse um médico. Não queria perder a final do campeonato de futebol no fim de semana. Tinha acertado com o seu avô que se o time deles ganhasse, se tornariam, finalmente, sócios efetivos do Clube.

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